Reflexão do dia - Evangelho segundo João 9:1-41

A leitura de hoje propõe o relato da cura de um cego de nascença, um episódio exclusivo do Evangelho de São João e detentor de uma grande riqueza teológica. Todos os evangelistas relatam sinais de curas de pessoas cegas, entretanto em nenhum deles há um relato tão detalhado como este de João. Por ser um texto extenso vou tentar apenas me concentrar na mensagem central.

Antes de ir diretamente ao conteúdo do texto, acho interessante fazer contextualização. O cenário do relato é a cidade de Jerusalém, pois Jesus tinha ido à 'cidade santa' para a festa das tendas, que era uma das três grandes festas de peregrinação dos judeus, juntamente com a páscoa e a festa de pentecostes.

A cura do cego de nascença é o sexto dos sete sinais que Jesus realiza no relato do evangelista João:
1) a mudança da água em vinho (João 2:1-12)
2) a cura do funcionário real (João 4:46-54)
3) a cura do paralítico de Betesda (João 5:1-18)
4) a multiplicação dos pães (João 6:1-15)
5) a caminhada sobre o mar (João 6:16)
6) a cura do cego de nascença (João 9:1-41)
7) a ressurreição de Lázaro (João 11:1-44)

Ao realizar estes sinais, Jesus manifestava a glória de Deus e confirmava ser o Cristo, o Filho de Deus. O poder religioso o via cada vez mais como uma ameaça pois os sinais de Jesus mostravam que Deus não se deixava manipular por instituições religiosas. Ao passo que as autoridades religiosas viam desmoronar seus privilégios queriam eliminar Jesus, sobretudo porque Ele era uma pessoa perigosa para o sistema vigente.

"E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença." João 9:1. ⇒⇒ Jesus percebe a necessidade de um pobre e oprimido e age com com solidariedade e compaixão.

"E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?" João 9:2 ⇒⇒ A cegueira era uma doença que se destacava sobre as demais enfermidades, pois impedia que a pessoa pudesse estudar e conhecer a Lei. Teologicamente falando a cegueira era pior do que a lepra. Um leproso poderia ter conhecido a lei, já um cego de nascença, não. Isso significa que aquele cego de nascença não conhecia a lei e era um condenado.
Jesus não concordava com essa mentalidade vigente. Por isso, corrige seus discípulos. A cegueira não era vontade divina e nem punição a possíveis pecados cometidos pelos seus pais. E também não é uma condição para que a glória de Deus se manifeste, mas onde a vida é escassa, onde a criação não encontrou a plenitude, há espaço para que a glória de Deus se manifeste curando a deficiência.

"Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego. E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado). Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo." João 9:6,7 ⇒⇒ Esse ato de cuspir no chão e fazer lama com a saliva é carregado de um forte simbolismo, pois o barro a matéria prima do ser humano. A saliva é gerada pelo hálito, esse é o sopro, o espírito. João quer nos mostrar que Jesus repete o gesto do Pai, Ele está aperfeiçoando a criação. O homem que até então estava condenado e espiritualmente "morto", ressuscitou a partir do encontro com o Cristo de Nazaré.
Que lição maravilhosa, quem segue a palavra de Jesus encontra luz e sentido para a vida. Ao ir ao tanque lavar-se, conforme a ordem de Jesus, o cego demonstrou adesão ao Evangelho, e, justamente por isso, passou a enxergar.

"Então os vizinhos, e aqueles que dantes tinham visto que era cego, diziam: Não é este aquele que estava assentado e mendigava? Uns diziam: É este. E outros: Parece-se com ele. Ele dizia: Sou eu.
Diziam-lhe, pois: Como se te abriram os olhos? Ele respondeu, e disse: O homem, chamado Jesus, fez lodo, e untou-me os olhos, e disse-me: Vai ao tanque de Siloé, e lava-te. Então fui, e lavei-me, e vi. Disseram-lhe, pois: Onde está ele? Respondeu: Não sei. "
João 9:8-12 ⇒⇒ O espanto é geral, pois aquele homem miserável que vivia mendigando agora é um homem renovado. Os fariseus e demais religiosos reagem com todo rigor e violência, porque vêem que a luz de Deus brilha em Jesus e em quem cumpre a sua palavra. Inconformados, os líderes religiosos submetem o homem a um interrogatório, pois eles tinham medo de Jesus e pavor de seu projeto libertador. As elites estavam em pânico.

"E era sábado quando Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos." João 9:14 ⇒⇒ Jesus curou no dia de sábado e os religiosos se escandalizaram. Ao pegar a terra para fazer lama, Jesus realizou um trabalho braçal no dia do sábado dos judeus, um pecado abominável para os fariseus doutores da lei. Sem dúvida esse foi o principal motivo do ódio e perseguição dos religiosos contra Jesus.

Responderam eles, e disseram-lhe: Tu és nascido todo em pecados, e nos ensinas a nós? E expulsaram-no. João 9:34 ⇒⇒ Ele foi expulso da sinagoga, a religião agindo com a tirania que lhe é peculiar, banindo o oprimido ao invés de protege-lo.

"Jesus ouviu que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: Crês tu no Filho de Deus?" João 9:35 ⇒⇒ Jesus vai ao encontro do homem que acabara de ser banido pelos religiosos. Que lindo, Jesus resgata o que a religião descartou. A religião exclui mas Jesus inclui. A religião separa, mas Jesus junta. A religião oprime , mas Jesus liberta.

"E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos. E aqueles dos fariseus, que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe: Também nós somos cegos? Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece." João 9:39-41 ⇒⇒ Jesus mostra que os verdadeiros cegos são os fundamentalistas religiosos guardadores da lei, presos aos códigos de conduta, sufocam a vida do ser humano. Para esse tipo de cegueira, não há qualquer justificativa

João, através desse relato, nos ensinou com uma sutileza impressionante que devemos pensar nas comunidades cristãs de hoje. Se estiveram dando mais valor à Lei e a códigos de conduta, em detrimento de promoverem a vida e o ser humano, estão distantes do ensinamento de Jesus.
Se prevalecem as normas sobre a caridade, se prevalece o juízo sobre o perdão , então o Evangelho é esquecido. Se um pequeno grupo tem controle sobre os demais, está mais para a sinagoga do que para a comunidade de Cristo.

Graça, paz e bem
um abraço,
Renato Barbosa

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