GUERREIRAS ESQUECIDAS: AS BATALHAS FEMININAS DE GLADIADORES

 Dividindo opiniões, historiadores discutem sobre mulheres que protagonizaram grandes embates em arenas

Estátua que representaria uma gladiatrix

Estátua que representaria uma gladiatrix - Divulgação/Alfonso Manas, Universidade de Granada

Pesquisadores afirmam que há evidências de que mulheres também eram gladiadores em lutas na Roma Antiga. Ainda se sabe pouco sobre a história dessas guerreiras, mas a estatueta de uma “gladiatrix”, termo para o equivalente feminino de gladiador, revela um pouco sobre a existência das mulheres que lutavam.

Alfonso Manas, professor da Universidade de Granada, discorda da opinião de historiadores que, antigamente, pensavam que a moça estava segurando um strigil, uma lâmina curva usada para raspar o suor e a sujeira do corpo. Para o pesquisador, o artefato, na verdade, é uma sica, uma ferramenta usada por uma variedade de gladiadores romanos, conhecidos como thraex ou trácio.

O estudo, publicado em 2012 na National Geographic, defende que ela era uma gladiatrix que havia vencido uma batalha. Isso por conta de seu posicionamento: ela olha para baixo e levanta a lâmina para cima. Além disso, a guerreira estava usando um pano em volta de seus quadris, o que excluiria a possibilidade do banho.

De acordo com o Ancient History Encyclopedia, as mulheres eram referidas por inúmeros nomes na época, como ludia, mulieres e amazonas. Documentos também mostram que existiam leis para combater essas lutas. Em 11 d.C., o Senado romano proibiu uma mulher nascida livre, com menos de 20 anos de idade, de se tornar gladiadora. “Livre” sugere que as escravas não sofriam com as mesmas penas.

Durante o reinado do imperador Nero, de 54 a 68 d.C., o historiador romano Cassius Dio descreveu um festival de lutas de gladiadores, também do sexo feminino, que foi realizado como uma homenagem à mãe do imperador. “Homens e as mulheres não apenas da classe equestre, mas também da ordem senatorial, [...] dirigiram cavalos, mataram bestas selvagens e lutaram como gladiadores, alguns de bom grado e outros feridos contra sua vontade.”

Relevo em mármore de duas gladiatrizes encontrado em Halicarnassus, hoje localizado no Museu Britânico, em Londres, na Inglaterra / Crédito: The British Museum

 

Mas foi no ano de 200 d.C. que o Imperador Severus proibiu os espetáculos de gladiatrices. Ele afirmava que o ato era uma ameaça à ordem social e um desrespeito a mulheres no geral. Preocupado com a possível participação das mulheres nos Jogos Olímpicos, a solução do imperador foi proibir as lutas.

Hoje, pesquisadores analisam as poucas evidências históricas restantes sobre essas gladiadoras, o que permite que possamos saber um pouco mais sobre a vida das mulheres que decidiram aventurar-se nas lutas.


COLISEU TURCO?

 

COLISEU TURCO? ARENA ONDE OCORRIA LUTA DE GLADIADORES É REVELADA NA TURQUIA

Local datado da era romana tem sido desenterrado lentamente desde outubro de 2020

Fotografia aérea da arena, que ainda tem a maior parte de sua extensão escondida sob a colina
Fotografia aérea da arena, que ainda tem a maior parte de sua extensão escondida sob a colina - Divulgação / Prof. Mehmet Umut Tuncer / Aydın Diretor Provincial de Cultura e Turismo

Nesta terça-feira, 20, o Live Science publicou uma entrevista com os arqueólogos que encontraram na Turquia uma arena da era romana, um espaço onde ocorriam lutas de gladiadores com leões e outros animais selvagens. 

A construção foi descoberta nas colinas da província turca de Aydin, no oeste do país. Os pesquisadores ficaram de outubro a dezembro de 2020 cortando a vegetação que escondia o local de 1.800 anos, e desde então começaram a explorá-lo. 

Sedat Akkurnaz, que é o arqueólogo liderando o projeto, e Mehmet Umut Tuncer, que é o diretor de Cultura e Turismo da província de Aydin, enviaram informações sobre a descoberta ao Live Science.

Nele estimaram que o anfiteatro histórico, embora esteja consideravelmente soterrado, teria capacidade para abrigar 20 mil pessoas em seu passado.

Também é válido notar que muito da estrutura do lugar permaneceu preservada ao longo dos séculos: "É sólido, como se tivesse acabado de ser construído", afirmaram eles ainda. 

Fotografia aérea de trecho da arena / Crédito: Divulgação/ Prof. Mehmet Umut Tuncer / Aydın Diretor Provincial de Cultura e Turismo

 

AS 5 DESCOBERTAS ARQUEOLÓGICAS MAIS IMPRESSIONANTES DE 2021

 Neste ano, deciframos um dos segredos do Stonehenge, descobrimos outro 'Coliseu' e encontramos evidências de uma assustadora história bíblica

Montagem mostrando imagens relativas à algumas das descobertas listadas na matéria
Montagem mostrando imagens relativas à algumas das descobertas listadas na matéria - Divulgação

Todos os anos, arqueólogos ao redor do mundo fazem descobertas que transformam e acrescentam à nossa concepção das civilizações que viveram antes de nós. Cada escavação é importante para que, aos poucos, desenterremos as peça do complexo quebra-cabeça que é o passado de nossa espécie.

Confira abaixo 5 achados ocorridos em 2021 que tiraram o fôlego da equipe do Aventuras na História!

1. Mastaura ou o "Coliseu turco"


Mastaura foi o nome dado ao imenso anfiteatro da época do Império Romano que foi revelado ao público em abril deste ano na Turquia, após meses de escavações.

A construção de 1.800 anos teria sido palco de lutas de gladiadores com leões, entre outros espetáculos. Vale mencionar ainda que as dimensões generosas do local teriam garantido que ele fosse capaz de abrigar 20 mil pessoas. Dessa forma, é provável que viajantes de outras cidades viessem visitá-lo. O achado foi repercutido pelo Live Science.

A arena romana impressionou os pesquisadores por sua "solidez": os anos haviam feito com que a estrutura afundasse e fosse coberta por vegetação, porém, após ser novamente trazida a superfície, foi constatada que ela estava incrivelmente intacta. 

2. "Trazendo de volta" uma cidade submersa

Modelo 3D da cidade / Crédito: Divulgação/ Pavlopetri Underwater Archaeology Project

 

3 mil anos atrás, a cidade grega de Pavlopetri foi atingida por algum desastre natural que a inundou, fazendo com que fosse varrida do mapa. Hoje, ela é considerada uma das mais antigas cidades submersas da qual temos conhecimento. 

Esse fato apenas trás mais importância ao estudo divulgado em junho deste ano que a reconstruiu com o auxílio de nossas tecnologias atuais.

Primeiro, foi usada uma uma técnica de mapeamento que usa um sonar, e depois foi elaborado um modelo 3D do local, que é considerado incrivelmente bem planejado para um povoado da Antiguidade. A descoberta foi relembrada por uma matéria recente do All That Is Interesting. 

3. Localização original do Stonehenge

Fotografia do possível local original do monumento / Crédito: Divulgação/Mike Parker Pearson

O enigmático círculo de pedras localizado na Inglaterra é considerado o vestígio histórico mais bem preservado do Neolítico e atrai a curiosidade das pessoas desde sua descoberta em 1920. 

Em fevereiro deste ano, pesquisadores encontraram buracos que teriam abrigado um imenso círculo de pedras com as mesmas dimensões do Stonehenge por volta de 3000 a.C., sendo portanto por volta de um século mais antigo o marco. 

A descoberta levou os estudiosos a especularem que o local, que hoje encontra-se vazio, foi a localização original da construção monolítica. 

“Nossas descobertas têm implicações dramáticas para nossa compreensão do sítio da Idade da Pedra

4. Confirmação de um mito antigo?

 mais famoso do Reino Unido”, afirmou Mike Parker Pearson, especialista envolvido na pesquisa, de acordo com informações do The Conversation. 

Um estudo publicado este ano levantou uma hipótese inusitada para explicar os três esqueletos do século 4 encontrados em 2017 no Palácio Wolseong, que está localizado na Coreia do Sul.

“Com base no fato de estarem localizados próximos à entrada principal junto com os ossos de animais selecionados como se protegessem a parede, [podemos] supor que foram enterrados como parte de um ritual para a construção segura da arquitetura”, afirmou o especialista Jang Gi-myung, segundo repercutido pelo SmithSonian. 

5. Passagem da Bíblia explicada

Imagem representando início do fenômeno / Crédito: Divulgação / Allen West e Jennifer Rice / Arquivo Pessoal

Um das mais espantosas histórias narradas na Bíblia é a da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, que teriam sido castigadas por Deus pelos hábitos imorais das pessoas que viviam nelas. 

Um estudo de 2021 publicado na revista Scientific Reports, porém, relatou ter encontrado evidências de que o relato pode ter sido inspirado em um acontecimento real. 

A conclusão veio após pedaços de metal e vidro derretidos terem sido encontrados na cidade de Tall el-Hamman, assim sugerindo que o local passou por um incêndio intenso. Segundo especulado pelos cientistas, as chamas teriam sido causadas pela explosão de um meteoro.

Isso pois nem mesmo o calor da lava de um vulcão poderia ter derretido os materiais daquela forma: apenas a magnitude desse cósmico teria poder suficiente para provocar esses estragos. Durante o episódio, a temperatura teria atingido cerca de 1982 °C. 

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/5-descobertas-mais-impressionantes-de-2021.phtml


Função social, coluna mestra da propriedade

 SOCIEDADES DEVEM SER PENSADAS NÃO APENAS COMO ESPAÇOS, MOVIMENTOS E IDENTIDADES HOMOGEINIZANTES

Por Frei Gilvander Morreira*

Temos que pensar as sociedades, os territórios e a globalização transnacional do capital não apenas como espaços, movimentos e identidades homogeinizantes. Em Minas Gerais, por exemplo, temos grande diversidade territorial e cultural. No sul de Minas, as monoculturas do café e do pasto predominam. No sudoeste de Minas, os canaviais estão mudando o panorama territorial. No Triângulo Mineiro, a pecuária e as monoculturas do café, da cana e do capim. Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, no quadrilátero ferrífero, que é primordialmente um quadrilátero aquífero, a explotação de minério de ferro há mais de 300 anos está desfigurando o território e desertificando vários territórios. Monoculturas do eucalipto estão alastrando-se em Minas Gerais nas regiões norte, noroeste e Vale do Jequitinhonha. Minas Gerais é estado mais assolado e devastado pela monocultura do eucalipto. As comunidades quilombolas estão espalhadas por quase todo o território mineiro, em mais de 600 já com autorreconhecimento.  No Brasil, a Fundação Palmares contabiliza a certificação de 2821 comunidades como remanescentes de quilombo rural ou urbano. Espalhados em todas as regiões de Minas Gerais estão os centenas de acampamentos e 422 assentamentos de Sem Terra do MST e de vários outros Movimentos de luta pela terra. No norte de Minas estão também as comunidades tradicionais: geraizeiros, vazanteiros e ribeirinhos, nas margens dos principais rios. Nessa perspectiva, pode-se inferir que cultura ou território, enquanto um espaço carregado de historicidade, não existe de forma estagnada, fixa, mas como uma cultura dinâmica, construída a partir de uma situação relacional aberta, e em movimentos constantes de mudanças, de fluxos, e contrafluxos.

Neste contexto é necessário compreendermos a função social da propriedade da terra como coluna mestra da propriedade. A terra não é apenas pátria (pai), mas mãe: pacha mama, como os povos indígenas quéchuas a chamam e a representam como uma mulher levando ao colo sua criança. Interessa-nos a função social da propriedade da terra, pois propriedade é um conceito, algo abstrato, que se tornou “um direito criado, inventado, construído, constituído” (MARÉS, 2003, p. 117). Para se compreender a luta pela terra enquanto pedagogia de emancipação humana, temos que analisar a fundo a questão da propriedade capitalista da terra. Joaquim Modesto Pinto Júnior e Valdez Adriani Farias (2005), no artigo Função Social da Propriedade: dimensões ambiental e trabalhista, asseveram: “A propriedade não é mais direito absoluto. Com efeito, embora parte da doutrina e jurisprudência, de forma totalmente contrária ao sistema posto, relute em negar proteção absoluta ao direito de propriedade, o fato é que o ordenamento constitucional e infraconstitucional veem que pesa sobre a propriedade uma hipoteca social” (JÚNIOR; FARIAS, 2005, p. 13).

A esse propósito nos referimos à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 2213, que diz: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), a propriedade deixa de existir”. Há jurisprudências no sistema judiciário brasileiro em que pedidos de intervenções judiciais da União em estados da federação foram negados. Por exemplo, na primeira semana de agosto de 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou acórdão em que negou, por unanimidade, pedido de intervenção federal no Paraná para compelir o governo do Estado a realizar reintegração de posse com uso da força ao proprietário da Fazenda São Paulo, no município de Barbosa Ferraz, que tinha escritura e registro, mas não cumpria a função social. Essa decisão do STJ na prática definiu que a propriedade não é um direito absoluto e que, por isso, mesmo que o proprietário tenha conseguido na justiça estadual a reintegração de posse, a execução da determinação judicial causaria muitos danos sociais às 240 famílias de camponeses Sem Terra do MST que tinham ocupado a fazenda por dois motivos principais: por necessidade, isto, porque vários princípios constitucionais, tais como: respeito à dignidade humana, função social da propriedade e direito à terra, não estavam sendo oferecidos pelo Estado e, porque a fazenda estava abandonada sem cumprir função social. Logo, para ser coerente com os princípios constitucionais e também com o objetivo da Constituição de 1988 que busca construir uma sociedade que supere as desigualdades e a miséria, a Corte Especial do STJ tomou uma decisão justa e sensata. Essa decisão foi saudada pelo MST, CPT e ONG Terra de Direitos, mas foi duramente criticada pela mídia e por advogados e professores de Direito que ainda absolutizam o direito à propriedade.

A propriedade, segundo a ideologia dominante, é algo sagrado, intocável, mas se há algo de sagrado e de absoluto na propriedade é a sua função social, que constitui, em síntese, o seu perfil constitucional. O constitucionalista José Afonso da Silvaafirma que “[…] a doutrina se tornara de tal modo confusa a respeito do tema, que acabara por admitir que a propriedade privada se configura sob dois aspectos: a) como direito civil subjetivo e b) como direito público subjetivo. Essa dicotomia fica superada com a concepção de que a função social é elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade; é, pois, princípio ordenador da propriedade privada; incide no conteúdo do direito de propriedade; impõe-lhe novo conceito”, conforme se lê no Curso de Direito Constitucional Positivo (SILVA, 1992, p. 241). Enfim, diferentemente da Constituição da época do Império, a Constituição de 1988 não assegura o direito absoluto à propriedade e condiciona o direito à propriedade ao cumprimento da sua função social. Portanto, a função social é a coluna mestra da propriedade. Sem função social, a propriedade não é constitucional e nem legítima.