O sítio arqueológico de Qunram


Qumran, Khirbet Qumran, “ruína da mancha cinzenta”, é um sítio arqueológico localizado a uma milha da margem noroeste do Mar Morto, a 12 km de Jericó e a cerca de 22 quilômetros a leste de Jerusalém, em Israel.

Situado na fissura do Mar Morto entre dois barrancos profundos, em uma área onde atividades tectônicas são freqüentes e a precipitação média anual é muito baixa.

O meio ambiente atual é árduo e difícil para o cultivo; mas foi precisamente o clima árido e a inacessibilidade do local que contribuiu significativamente para preservação de estruturas e de materiais arqueológicos encontrados na região.

Nessa região há aproximadamente 330 dias de sol por ano e praticamente não há precipitações. O ar é tão seco e quente que a água das evaporações é seca imediatamente no ar, criando uma névoa e resultando em um cheiro de enxofre.
Qumran tornou-se célebre em 1947 com a descoberta de manuscritos antigos que ficaram conhecidos como os Manuscritos do Mar Morto.



Em 1947, os primeiros manuscritos foram encontrados em uma caverna às margens do Mar Morto por um jovem beduíno que cuidava de um rebanho de ovelhas. A notícia do achado espalhou-se rapidamente após a venda e aquisição dos primeiros manuscritos. De imediato a comunidade científica interessou-se pelo achado.

A “École Biblique et Archéologique Française de Jerusalém” desenvolveu pesquisas em Qumran e arredores desde o final da década de 40 até 1956. O chefe da equipe, no período de 1951 a 1956 foi o frei francês Roland Guérin de Vaux (1899-1971).




Aproximadamente 930 fragmentos de manuscritos hebraicos, aramaicos e gregos foram encontrados em onze cavernas em Qumran, datando de 250 a.C. ao século I da Era Cristã.

O ANTIGO TESTAMENTO: é composto de 39 livros que constituem os escritos sagrados - ou as Escrituras - do povo Judeu e da sua religião, o judaismo. Eles escreveram em hebreu e em aramaico, as duas linguas antigas dos judeus. Certos escritos são tão antigos que se ignora quase tudo sobre a sua origem. Os escribas judeus faziam de tempos a tempos novas cópias dos seus livros sagrados. Mas os documentos conservam-se mal num clima como este dos países bíblicos, de maneira que poucos manuscritos deste tempo foram encontrados.



Em 1947, os mais antigos textos do Velho Testamento hebraico datavam do 9º e do 10º século da nossa era. Tratavam-se de cópias dos cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco. Em 1947, foi feita a mais extraordinaria descoberta de manuscritos provenientes da biblioteca da comunidade judaica que vivia no Qunram, perto do Mar Morto, comunidade existente no tempo de Jesus. Estes manuscritos tem mil anos mais que os datados do século 9º e 10º da nossa era. Entre estes manuscritos do Mar Mortoo, havia cópias de todos os livros do Antigo Testamento, excepção ao livro de Ester.

Estes manuscritos do Qunram são muito importantes porque eles contêm essencialmente o mesmo texto que os do 9º e 10º século da nossa era. Ou seja, eles confirmam que o texto do Antigo Testamento não mudou durante um período de mais de mil anos. Os copistas trabalharam com tanto cuidado que não se encontra erros ou modificações. É verdade, que nalgumas passagens se encontram expressões diferentes, não por isso, modificação do sentido. Por vezes não é possível descobrir o sentido exacto de certas palavras hebraicas, pelo facto de estarem gastas ou as expressões que no século 9º da nossa era já não existiam. Por estas razões estudiosos das línguas bíblicas; persa, egípcias, hebraicas e gregas, realizam um trabalho notável, com relevo para a Universidade de Jerusalém.





Arqueologia

A arqueologia distingue três fases de ocupações:
Junto a uma aguada fortificada do séc. VIII-VII a.C., ocorre uma ocupação essênia modesta antes de 100 a.C.; sob Alexandre Janeu, as instalações são ampliadas consideravelmente, passando a ser uma “fortaleza dos piedosos”. A estrutura comportava 200 a 300 pessoas. A colônia é abandonada após um terremoto em 31 a.C. e um incêndio.

Ocupação sob Arquelau (4 a.C. – 6 d.C.), com ampliação das fortificações e reforço da segurança. Destruição das fortificações pela Legio X Fretensis (68 d.C.); antes porém a monumental biblioteca é transferida às pressas para as cavernas das imediações.

Guarnição romana (68 – 100 d.C.); base de operações dos seguidores de Bar Cochba, na II Guerra Judaica (132-135 d.C.).




A primeira coisa que o visitante encontra no interno do sitio, é uma série de ruínas, testemunhas da existência de um vilarejo cercada por um muro de pedras. Não eram moradias, mas edifícios usados pelas atividades comunitárias da seita: aquedutos, cisternas, uma torre, uma sala de escritura, uma cozinha, uma sala para assembléias, uma para jantar, os armazéns para guardar os alimentos, um ambiente para trabalhar a cerâmica, o forno, a estrebaria. O pessoal não morava nesses edifícios, mas nas tendas que estavam ao redor. 




A leste das ruínas, uma breve descida desertica chega à planície à beira do Mar Morto. A norte uma inclinação muito íngreme precipita no uadi Qumran, o leito do rio que tem um riacho somente com as raras chuvas. Da beira do uadi, é possível enxergar as aberturas das grutas onde foram encontrados os manuscritos. Aqui foram escondidos pelos adeptos da seita, quando desconfiaram que os romanos podiam aparecer e destruir a comunidade. A oeste a parede rochosa e seca da montanha, que forma um abismo de 250 metros, onde no inverno aparece uma cachoeira. 






O sítio tem inúmeras miqweh, as piscinas para rituais nas quais se celebrava o batismo dos novos adeptos ou as lavagens. A caraterística principal destas piscinas é que não eram apenas cisternas para guardar a água da chuva ou para servir às necessidades higiênicas. As abluções nas piscinas eram parte fundamental do culto essênico.




Podemos comparar as miqweh hebraicas aos ghat da Índia que se encontram na beira do rio Gange ou no interno dos templos hindu. A estrutura das piscinas mostra claramente que foram concebidas propositadamente para as pessoas poderem entrar comodamente na água, por meio de uma escadaria, e ali cumprir o ritual de purificação. Em primeiro lugar, antes de reunir-se para a refeição comunitária, os membros trocavam de roupa, vestiam uma veste de linho e mergulhavam nas piscinas. Em segundo lugar lembramos que o mesmo ritual de admissão na comunidade era uma cerimônia batismal: a purificação conseguida mergulhando na água. Quem pode não refletir sobre o extraordinário paralelismo com os costumes dos primeiros cristãos, os quais admitiam os novos adeptos com um batismo purificador dos pecados? 




Também o ritual da abertura da refeição comunitária é motivo de considerações sobre as ligações entre o cristianismo e essenismo: "…E quando aprontarem a mesa para comer o pão ou o vinho doce para beber, o sacerdote estenderá a mão para abençoar o pão e o vinho doce…"; "…e quando se reuniram à mesa comum para comer ou para beber o vinho doce, na hora que a mesa será aprontada e o vinho doce será versado, ninguém estenderá a mão sobre o pão e o vinho doce antes do que o sacerdote, já que ele abençoará o pão e o vinho doce e estenderá por primeiro suas mãos sobre o pão…". O fato que o pão e o vinho tenham que ser abençoados pelo sacerdote, antes de ser distribuídos aos comensais, evoca em maneira mais que evidente o ritual eucarístico cristão e a inteira representação do último jantar de Jesus.




Nesta altura, é possível compreender porque a descoberta dos manuscritos causou uma séria preocupação ao mundo católico, e tornou Padre de Vaux um tanto ciumento destes rolos, induzindo-o a criar uma comissão "internacional" feita apenas de pessoas de fé certificada, e a ocultar os rolos proibindo o acesso aos outros. O material qumraniano tinha que ficar sob controle, para evitar eventuais perigos à interpretação histórica comumente aceita do cristianismo primitivo.





Piscina usada nos rituais da seita de Khirbet Qumran
Felizmente, no início da década de 90, alguém conseguiu tornar públicas cópias fotográficas dos manuscritos, abrindo a possibilidade de estudar o material num clima livre de monopólios e condicionamentos à parte. Com certeza o mérito maior de tudo isso pertence ao professor R. Eisenman, diretor do departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Califórnia (EUA), o qual há anos vinha tentando acessar os manuscritos, mas em resposta ouviu exatamente estas palavras: "Nunca o Senhor vai ver os rolos, até a morte". O pesquisador afirma que essênios (hassidim, em hebraico), zadoquitas (zaddiqim, em hebraico), zelotes (qannaim, em hebraico), nazoreus (nozrim, em hebraico, nazorai, em grego) e os primeiros cristãos judeus (Simone, Giacomo…) sejam, em prática, a mesma coisa, ou pelo menos, aspectos muito correlatos de uma só realidade: a divergência religiosa, purista e intransigente contra a evidente corrupção da classe sacerdotal de Jerusalém, e a presença, no trono de Israel, de uma dinastia indigna, a de Erodes. A seita se tornou guarda do conceito messiânico, e a vida sectária era concebida como uma preparação concreta, religiosa, mas também militar no sentido comum da palavra, à iminente liberação messiânica, que teria devolvido a Yahweh a soberania única de Israel.







Uma importante consideração a fazer é relativa ao nome que a seita qumraniana dava a si mesma e ao lugar onde estava instalada. Logicamente a denominação de Khirbet Qumran é moderna e pertence à língua árabe. Para conhecer como os qumranianos indicavam seu próprio lugar de auto - exílio, podemos utilizar as palavras do Documento de Damasco [imagem a direita]:

"…o poço é a lei, e aqueles que o escavaram são os convertidos de Israel, aquele que saíram da terra de Judá e se exilaram na terra de Damasco…" (Documento de Damasco VI, 4-5)


"…segundo a disposição daqueles que entraram no novo pacto na terra de Damasco…" (Doc. Damasco VI, 19)

"…a estrela é a intérprete da lei que verá a Damasco, como está escrito: uma estrela tem feito muita estrada desde Giacobbe, e um cetro se levanta de Israel…" (Doc. Damasco VI, 18-20)

É importante observar, neste último versículo, a citação de uma profecia messiânica [Num. 24,17], que o Novo Testamento afirma estar referida a Cristo (Mt 2, 1-12 e Ap. 22, 16), também em relação a imagem da "estrela" como astro nascente que anuncia a chegada do Messias. Isso torna ainda maior a ligação do movimento cristão originário com o qumraniano.
E ainda:

"…Todos os homens que entraram no novo pacto na terra de Damasco, mas depois se foram, traíram e se afastaram do poço da viva água…" (Doc. Damasco VIII, 21)

Neste versículo também encontra-se uma correspondência com o Novo Testamento. A imagem do poço da viva água corresponde perfeitamente às palavras usadas por Jesus no diálogo com a samaritana, no Evangelho de João. 
E ainda:

"…o pacto com o qual se comprometeram com o país de Damasco, ou seja, o novo pacto…" (Doc. Damasco XX, 12)




Tudo isso leva a acreditar que expressões como Damasco e a terra de Damasco, eram utilizadas pelos qumranianos para indicar ora a si mesmos e a sua comunidade, ora o lugar ou os lugares dos seus rituais. Muitos estudiosos concordam com esta opinião, inclusive o mesmo Padre de Vaux (L'archeologie et les manuscrits de la Mer Morte, London 1961), além de J. Barthelemy, A. Jaubert, G. Vermes, N. Wieder e outros. Qual o motivo de os qumranianos adotarem esta denominação? Eles trouxeram inspiração num texto bíblico, Amos 5, 26-27, que de fato vem citado no mesmo Documento de Damasco (VII, 14-15), onde se fala da teologia da deportação e do exílio (veja também Jeremias e Ezequiel).




Em prática, Damasco é visto como um lugar de exílio, um lugar onde os homens pio e puros encontram um abrigo em frente a cólera de Deus. Jeremias e Ezequiel falam dos exilados em Damasco como a parte melhor do povo de Israel. Os qumranianos, que se separaram auto-exilando-se no deserto do Mar Morto para protesto contra a corrupção da classe sacerdotal de Jerusalém, explorando a similitude com os versos bíblicos, comparam a si mesmos aos "deportados na terra de Damasco", e nomearam Damasco o próprio ritual.




Tudo isso tem um papel fundamental na leitura e interpretação do Novo Testamento. O Professor R. Eisenman (California State University), que acredita na identidade, ou pelo menos numa estrita parentela, entre a comunidade de Qumran e o movimento judeu-cristão primitivo, afirma que o famoso trecho dos Atos dos Apóstolos no qual Paulo é enviado a Damasco pelo sumo sacerdote em busca de cristãos para prendê-los, tenha que ser completamente reinterpretada, entendendo com Damasco não a célebre cidade da Síria, mas este sitio de Qumran.




De fato, é importante observar que na Síria, nem Paulo nem o sumo sacerdote de Jerusalém tinham alguma autoridade. A cidade de Damasco pertencia a outra administração e as autoridades de Jerusalém não tinham nenhum direito de efetuar ações de polícia na Síria. Tudo isso mostra claramente a quantidade de questões que podem nascer de uma atenta análise da origem cristã. E de quanto tenha sido manipulada a memória histórica, pelos interesses apologéticos de uma nova religião extra Judia, que tinha se afastado completamente da fé da comunidade judeu-cristã primitiva. É extremamente provável que os Atos dos Apóstolos, um documento sobre cuja atendibilidade histórica é possível fazer inúmeras objeções, tenha sido redigido pelos seguidores da teologia revisionista de Paulo com o fim de dar a impressão de uma continuidade entre o movimento do messias injustiçado por Pôncio Pilatos e a "eclesia" dos cristãos que estava formando-se, sobretudo em ambientes greco-romanos e da diáspora hebraica. Claramente, uma continuidade completamente falsa.






Nenhum comentário:

Postar um comentário