Deus se apresenta na cotidianidade, na simplicidade, na pobreza


por Enzo Bianchi

Passaram-se 40 dias desde o Natal, e a Igreja interrompe o Tempo Comum para celebrar mais uma “manifestação” da encarnação, aquilo que, segundo o Evangelho de Lucas, ocorre no 40º dia após o nascimento de Jesus: a apresentação do filho primogênito no templo e a sua oferta ao Senhor segundo a Lei (cf. Ex 13,1-2.11-16).

No Oriente cristão, a festa do Hypapante (encontro entre o Senhor e o seu povo) é um grande festejo que celebra, assim como as festas do Natal, a luz, como aliás testemunha a natureza, com o sol já cada vez mais alto no céu e o significativo e perceptível prolongamento do dia [no hemisfério Norte]. Por isso, na liturgia, está prevista uma procissão com velas acesas: é o povo de Deus que vai ao encontro do Senhor, “luz das nações”.

Detenhamo-nos, portanto, no trecho do Evangelho previsto pela Igreja para esta festa. Acima de tudo, Lucas evidencia que Jesus, “nascido sob a lei” (Gl 4,4), vem ao mundo como todo judeu: circuncidado no oitavo dia (cf. Lc 2,21), deve ser apresentado ao Senhor e, como homem primogênito, redimido com uma oferta.

José e Maria, fiéis observantes, sobem a Jerusalém, ao templo, para realizar o rito, mas o que ocorre é mais significativo do que o próprio rito.

No templo, há um homem chamado Simeão, que “esperava a consolação do povo de Israel”, isto é, do seu resgate através do advento messiânico, e sobre ele habita a presença do Senhor, o Espírito Santo. Especialista na escuta da Palavra do Senhor, ele havia recebido uma profecia: não morreria antes de ver o Messias, por ele esperado assiduamente.

É o próprio Espírito que o leva a ir ao templo, onde ocorre o cumprimento da promessa: um casal de esposos está levando o menino Jesus para a oferta, e ele reconhece naquele menino o Messias, acolhe-o nos braços e, com um espírito capaz de agradecimento, canta ao Senhor. Agora, o Senhor pode deixá-lo ir em paz, pode chamá-lo na morte, porque tudo se realizou segundo a promessa. Os seus olhos veem o Salvador, veem a luz para todos os povos da terra, veem a glória do povo de Israel.

Simeão faz a sua grande confissão de fé, canta todo seu estupor e a sua alegria, mas os seus olhos de profeta também veem o que ainda não é visível, e ele o confidencia a Maria, a mãe. Esse menino será um sinal contestado, um sinal que pode ser acolhido ou recusado, e, por isso, muitos encontrarão nele razões de rejeição e cairão; outros, razões de ressurreição e de vida.

Toda pessoa terá que tomar posição diante dele. Mas essa contradição será paga a um caro preço pela mãe, Maria, a filha de Sião que representa em si todo o povo de Deus: de fato, a alma de Maria será dilacerada, transpassada como que por uma espada, e em torno de Jesus o povo de Deus dilacerará a sua unidade. Uma parte de Israel rejeitará Jesus como Messias, outra parte o acolherá e acreditará nele, mas esse cisma, que um dia se recomporá, permanece como uma ferida na vida da comunidade do Senhor no mundo.

Até mesmo uma mulher idosa, a profetisa Ana, uma viúva que sempre estava em oração na casa de Deus, vigiando e jejuando, inesperadamente encontra aquela pequena família e reconhece o Messias na criança. Ela também começa a narrar a boa notícia aos que estão presentes no templo, expressando todo o seu louvor dirigido a Deus.

Foi assim que ocorreu o encontro entre o Filho de Deus e o seu povo: na cotidianidade, na simplicidade e, sobretudo, na obediência à Lei. Tudo foi observado, portanto Deus realizou tudo como havia prometido. Quem estavam na expectativa e permanecia firme na fé e na esperança “viu” e reconheceu a presença de Deus naquela cotidianidade e naquela pobreza de uma família.

Porém, para quem hoje escuta e lê o Evangelho, não escapa a distância entre o anúncio da profecia de Malaquias (cf. Ml 3,1-4) e o seu cumprimento segundo Lucas, como nos mostra a exegese litúrgica. Segundo Malaquias, a vinda do Senhor se realizaria com a vinda de um mensageiro, um novo Elias, um anjo da aliança invocado e esperado. Ele entrará no templo e, como fogo devorador, como barrela dos lavadeiros, purificará todos aqueles que, no templo, prestam serviço ao Senhor, de modo que a oferta e os sacrifícios retornem a ser agradáveis a Ele. Portanto, um evento que se impõe, por ser repleto de glória.

Mas a realização evangélica dessa profecia parece bem diferente: um bebê de 40 dias trazido por dois pais pobres e anônimos entra no templo, e ninguém, entre todos os sacerdotes lá oficiantes, se dá conta disso. Só “o resto de Israel” (cf. Is 10,20-22; 11,11.16 etc.), representado por um homem justo e capaz de oração e por uma idosa viúva assídua na presença do Senhor, se dão conta disso; somente Simeão e Ana reconhecem na criança o cumprimento das promessas do Senhor, louvam e agradecem a Deus e começam a evangelizar, a difundir a boa notícia.

Esses são os traços da história cristã, e não outros: não nos deixemos enganar pela aparência, pela majestade, por ênfases triunfais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário