Segundo a Bíblia de Estudo Arqueológica NVI (pg. 1594), desde a Idade Média, alguns comentaristas bíblicos têm considerado a possibilidade de que a declaração de Jesus, relativa ao “fundo da agulha”, seja uma referência a alguma porta que tenha existido em seus dias, mas essa teoria diminui a força das palavras de Jesus.
Rodrigo Silva, que é doutor em Arqueologia Bíblica (Universidade Hebraica de Jerusalém e USP), curador do museu arqueológico Paulo Bork e apresentador do Programa Evidências, afirmou que existem algumas explicações lendárias.
“A primeira diz que existia uma porta com o nome de ‘fundo de agulha’ onde os camelos ficavam empacados, sem conseguir passar. É mito! Nunca existiu porta com esse nome em Jerusalém”, disse.
Alguns ainda acrescentam detalhes à teoria, dizendo que era muito difícil abrir o portão principal da cidade, por isso uma porta menor foi recortada nele, permitindo o acesso de pessoas e pequenos animais, quando o portão grande já estava fechado.
No caso do camelo, o maior animal da Palestina, tinha que ser puxado, sem a carga, e também empurrado por essa extremidade, com grande dificuldade e forçado a se ajoelhar para conseguir entrar pelo pequeno buraco.
Sendo assim, foi considerada a ideia de que um rico só entraria no Reino do Céu ajoelhado, “descarregado” e ainda empurrado por alguém. Mais um mito!
“A segunda ideia errônea é quando eles mostram na Porta dos Leões ou na Porta de Jafa, algumas fendas por onde os arqueiros atiravam flechas. Dizem que as fendas possuem o formato de agulha. Mas aquilo é do século 16, não é da época de Jesus”, continua o arqueólogo.
Vários comentaristas informam que Jesus se valeu de uma ilustração que já existia em forma de provérbio, no seu tempo e que na Babilônia, na mesma época, existia uma frase idêntica com apenas uma variante: “É mais fácil um elefante passar pelo fundo de uma agulha”.
Rodrigo Silva ainda lembrou que há quem defenda a ideia de que houve um erro de tradução por parte de Jerônimo (tradutor de algumas partes da Septuaginta).
“Dizem que na fala de Jesus a palavra usada foi ‘kámilo’ [cabo ou corda grossa] e não ‘kámelo’ [camelo], dado a semelhança das palavras na língua grega”, explicou.
Essa outra teoria, ilustraria a impossibilidade de fazer com que uma corda, dessas que seguram uma embarcação, entrasse pelo estreito buraco de uma agulha.
“No grego está como camelo mesmo, o animal, e não corda grossa. Jesus usou uma hipérbole [figura de linguagem que utiliza o exagero], o que era típico nas argumentações rabínicas”, esclareceu.
Sendo assim, conclui-se que Jesus estava dizendo que é muito difícil um rico entrar no Reino do Céu, a menos que seja transformado pela graça de Deus. Para ilustrar, Ele usou a figura do camelo e da agulha. Vale comentar aqui que nos livros de Mateus e Marcos, eles falam de uma agulha caseira (rhafis), enquanto no livro de Lucas, que era médico, ele cita uma agulha cirúrgica (belone).
Os leitores da Bíblia devem se precaver de interpretações lendárias que podem distorcer, mesmo que sutilmente, o verdadeiro significado do texto bíblico. Saiba mais sobre os oito portões de Jerusalém aqui.
Contextualizando
Dada a impossibilidade de um camelo passar pelo buraquinho de uma agulha, quer dizer que um rico jamais entrará no Reino do Céu? Relembre aqui o diálogo entre Jesus e o jovem rico:
“Quando Jesus ia saindo, um homem correu em sua direção, pôs-se de joelhos diante dele e lhe perguntou: Bom mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Marcos 10.17)
“Jesus olhou para ele e o amou. Falta-lhe uma coisa, disse ele. Vá, venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me. Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas.” (Marcos 10:21-22)
Antes disso, o jovem havia dito que já guardava todos os mandamentos, mas pela resposta de Jesus, isso não era o suficiente para herdar o Reino do Céu, porque ele estava preso aos bens materiais. Pelo texto bíblico, concluímos que as riquezas dadas por Deus não servem somente para o nosso próprio bem estar e conforto, mas para ajudar os pobres e os necessitados.
Alguns trechos do já extinto livro “Passagens com problemas de interpretação” de Pedro Apolinário [cedido gentilmente por Rui Vieira da Sociedade Criacionista Brasileira], esclarece também alguns tópicos do ponto de vista judaico. Veja:
“Os judeus tinham noções erradas sobre os ricos e os pobres. Inclinavam-se a pensar que a prosperidade era a prova máxima do favor divino e um símbolo das bênçãos de Deus (…). Criam que era mais fácil a salvação para os ricos do que para os pobres. Cristo veio desarraigar essas conclusões erradas”.
A parábola do Rico e do Lázaro, onde o rico vai para a perdição e o pobre para a salvação, é um exemplo disso.
“O ensinamento bíblico de acordo com esta passagem é este: é mais difícil para um rico ser salvo do que para um pobre. As riquezas podem ser perigosas para aqueles que a possuem”, enfatizou o autor.
A questão não é a impossibilidade da salvação para os ricos, mas as dificuldades maiores que eles terão de enfrentar para chegar até o Reino, uma vez que as posses numerosas fomentam uma falsa independência.
Quem tem muito dinheiro é inclinado a pensar que pode vencer qualquer situação sozinho. “As riquezas prendem as pessoas a este mundo”, resume.
Veja o que diz a Bíblia:
“Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração.” (Mateus 6.21)
Para finalizar então, sobre o rico que é apegado ao dinheiro, será mesmo impossível sua entrada no Reino do Céu? Segue a resposta:
“Jesus olhou para eles e respondeu: Para o homem é impossível, mas para Deus não; todas as coisas são possíveis para Deus.” (Marcos 10.27)
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