Ismael Nuraddini caminha entre os arbustos secos e para ao lado de um buraco na terra. Dois metros abaixo, muros de pedra calcária delimitam o que podem ser vestígios de um tempo de 2.000 anos de antiguidade.
Nesta jazida foram encontradas estátuas que poderiam confirmar nada menos do que a presença no local do grande conquistador Alexandre Magno e seu exército.
“Na primavera (no Hemisfério Norte), foram encontradas duas esculturas. Um homem e uma mulher. Uma se parece com Afrodite, deusa da beleza (e do amor). A outra poderia ser Alexandre Magno”, explica Nuraddini, de 62 anos, apontando para o solo.
A descoberta é extraordinária, mas no sítio, onde há uma semana ainda ressoava o barulho de picaretas e pás, hoje impera o silêncio das pedras.
Como consequência do referendo de independência realizado no Curdistão em 25 de setembro, o governo central de Bagdá suspendeu os voos internacionais com origem e destino nesta região autônoma.
Com medo de ficarem bloqueados, muitos arqueólogos estrangeiros abandonaram o país subitamente.
“Foi a primeira vez que os pesquisadores estrangeiros tiveram que ir embora. Até mesmo quando o Daesh (acrônimo árabe do grupo extremista Estado Islâmico) estava se aproximando, eles ficaram!”, exclama Rzgar Qader Boskiny, de 21 anos, estudante de Arqueologia e membro de uma equipe que realiza escavações em um local próximo.
Este imprevisto político chegou quando as equipes estavam apenas começando a esclarecer os segredos desta região montanhosa, na fronteira com o Irã.
Enquanto se espera a volta dos pesquisadores, Nuraddini é o encarregado de vigiar os sítios de sua cidade natal, Ranya, na região curda iraquiana, onde cerca de 15 arqueólogos trabalhavam ativamente até poucos dias atrás.
Autodidata, foi ele quem descobriu, em 2013, o sítio de Qalatga Darband, uma antiga cidade sobre uma superfície de 60 hectares, que pode ter sido fundada há 2.300 anos pelo grande conquistador.
Três séculos antes da era cristã, o que é hoje a cidade iraquiana de Zakho, na fronteira com a Turquia, teria sido o campo de uma das batalhas mais importantes da Antiguidade, entre o exército do rei Alexandre, da Macedônia, e o de Dario III (rei persa), que foi derrotado.
“Trata-se de uma cidade estratégica, talvez inclusive uma capital provincial, que controlava as rotas que uniam mundos diferentes: Mesopotâmia, Pérsia e a Grécia antiga”, explica Jessica Giraud, diretora da missão arqueológica francesa na região.
– Imagens da CIA –
Os trabalhos de prospecção foram em grande parte facilitados por imagens registradas por satélites de espionagem da CIA, que, em plena Guerra Fria, escrutavam esta zona-tampão.
Uma imagem de Qalatga Darband, registrada em fevereiro de 1967 pela CIA e obtida pela AFP, mostra o traçado de muros de recintos, velhas estradas, assim como o que parecem ser um forte e um templo.
“Agora utilizamos estas imagens para todas as nossas missões. Graças a elas, a velocidade do nosso trabalho de prospecção quintuplicou, e a descoberta de sítios arqueológicos se multiplicou por seis”, se entusiasma Giraud.
A missão de cartografia realizada entre a França e o Iraque foi capaz de enumerar 354 sítios arqueológicos apenas na região que inclui Ranya, Peshdar e Bingird.
Uma densidade populacional que se explica por, ao menos, quatro motivos, segundo Barzan Baiz Ismael, diretor do serviço de Antiguidades.
“Para começar, há um grande número de cavernas que os primeiros homens puderam utilizar como abrigos. Outro fator é a fertilidade da terra, assim como a presença de água, fonte da vida. E, sobretudo, era a fronteira entre o Oriente e o Ocidente”, analisa.
A missão do British Museum, iniciada no outono (no Hemisfério Norte) de 2016, terminaria em 2020 e, talvez, pudesse dar respostas sobre a história deste local de cruzamento de civilizações.
Mas, por enquanto, no sítio de Qalatga Darband, Ismael Nuraddini e Rzgar Qader Boskiny estão apenas ao lado de pás abandonadas, além de um pescador que bebe chá à sombra de sua caminhonete.
“Se esta suspensão (dos voos internacionais) durar, temo que afete negativamente o nosso trabalho”, inquieta-se Rzgar.
“Quando as equipes retornarem, a era de ouro da Arqueologia poderá recomeçar”, acrescenta com um sorriso.
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